Wednesday, November 29, 2006

...tábua rasa / carta urbana / plain table /urban letter... (take #5)

(...)

Arte é comunicação.
Antes de qualquer outra, a produção artística, é comunicação entre o artista e o mundo, entre o artista e o local, entre o artista e o outro, entre o passado e o futuro; e isto, aqui no meio, é só uma passagem – uma muitíssimo importante passagem.
Isto, aqui é no meio, é o processo.
Como já dito anteriormente, quando o artista se coloca num espaço, ele apreende-o de forma faseada: primeiro as suas características físicas e posteriormente as suas características simbólicas (ou potencialmente simbólicas), narrativas, históricas, identitárias.
Sendo que, e como já se disse, o espaço tal como o actor possui uma identidade enquanto construção cultural, o primeiro passo desta relação entre eles será o da destruição: destruir para construir.
Talvez usando a ideia de Gabriela Vaz Pinheiro, destruir o local para construir um lugar, no caso do contexto físico em que se encontra o artista – destruir uma identidade individual para construir-se como interface, entre o lugar, o mundo, os outros (Vaz Pinheiro, 2004:20).
Do espaço, local, lugar, podemos dizer da sua transformação, utilizando os conceitos que a autora utiliza: espaço rígido vs “espaço macio” (smooth space) – referenciados pelos autores Deleuze e Gattari.[1]
Destes conceitos diz a autora: “este último [espaço macio] (…) é ocupado com base numa abordagem multisensorial” opondo-se ao “espaço rígido (…) que deriva de valores hierárquicos…” (Vaz Pinheiro, 2004:13), ou seja, do espaço podemos dizer que a sua transformação, de local (site) em lugar (place), possibilita ao artista uma nova identidade: uma identidade maior, mais abrangente, mais envolvente, mais envolvida – pelo outro e pelo mundo (físico).
Quanto ao indivíduo/artista, pode dizer-se dele que protagoniza uma sabotagem identitária que lhe permitirá envolver-se com o espaço – sabota o seu corpo individual para o tornar um corpo espacial, num corpo com lugar e tempo.
E muito mais do que biológico (tempo que se poderia dizer natural do corpo biológico), este tempo é um tempo da memória e do sonho. No envolvimento com o espaço a ser trabalhado, o artista/performer embrenha-se nele deixando todas as portas abertas, para que a sua identidade se funda com a do espaço que trabalha, sendo que este último lhe confere a experiência. Contudo, mais do que qualquer experiência, o espaço e o artista passam a partilhar uma experiência passada – memória –, bem como um projecto de futuro – sonho.
Porém, e se pensarmos que, essencialmente, os projectos artísticos site-specific encaixam nos conceitos de arte pública ou performance, não podemos esquecer que quem produz a identidade de determinado espaço são os seus utentes – nativos ou estrangeiros. Se pensarmos nisto a partir do ponto de vista de Lefebvre, poderíamos dizer que o artista trabalhará essencialmente espaços de representação – significados e vivências que os utentes de determinado espaço lhe atribuem. Ou seja: numa postura quase antropológica, ou melhor, numa quase inconsciente postura etnográfica, o artista retém para si todo e qualquer tipo de discurso local sobre o espaço onde pretende intervir. Ou seja, os discursos locais são apropriados pelo investigador/artista/performer de modo a que eles possam também ajudá-lo a validar o seu discurso artístico – para que o seu discurso possa ser identificado como pertencente, ou referente, a determinado contexto pelos outros utentes desse mesmo espaço.
Isto porque, e tal como se disse anteriormente, arte é comunicação – a sua finalidade, em última análise, será a transmissão de uma ideia: finalidade que, não levada a cabo, tornaria a obra de arte uma falha, ou somente um alcançar parcial do objectivo. Esta apropriação será então uma forma de sampling dos diversos discursos locais e, fazendo um remix, construir um novo, mas também ele reconhecível pelos outros que ocupam, usam e circundam, tanto o espaço, como o artista. Esta perspectiva interccionista é de sobeja importância no decorrer do processo, uma vez que é a partir dela (da interacção) que vão surgir os discursos formais/artísticos do artista.
Tal como no texto de Rogério Nuno Costa, também aqui se pode falar de uma “dramatização do espaço” (Costa, 2004: 118), porém pode também dizer-se o mesmo do artista/performer – pode dizer-se que existe em simultâneo uma dramatização do artista – isto porque também ele se vai construir identitariamente, ou seja, o seu discurso não passa só a fazer parte do espaço onde interveio, também a memória daquele espaço e daquele discurso passa a fazer parte da sua identidade. Os resíduos permanecem, tanto no espaço, como no indivíduo, bem como as potencialidades futuras.

[1] DELEUZE, G., GUATTARI, F., A Thousand Plateaux: Capitalism and Schizophrenia, 1988, Athlone, London



Monday, November 27, 2006

...tábua rasa / carta urbana / plain table /urban letter... (take #4)

3.2. Baralhar

Passemos então às noções de espaço e tempo – correlacionando-se, e em correlação com a de identidade.
Continuarei a falar de identidade, a construí-la, a processá-la, mas é chegada a altura de entrar com as duas variantes mais importantes e que conferem ao processo o seu carácter mutante e dinâmico.
Há que instalar o artista num contexto, dar-lhe um espaço e um tempo – há que injectar uma identidade num espaço e dar-lhe tempo: para que o espaço ganhe uma identidade, para que o indivíduo reconstrua a sua, e para tudo isso é preciso tempo.

Para ilustrar o que pretendo dizer, usarei como muleta um texto de Rogério Nuno Costa – performer – publicado na revista ArtinSite da Transforma AC, “O Objecto Sensível – em 9 partes”.
Neste texto é-nos apresentado um ponto de partida que se prende essencialmente com a noção de virgindade, poder-se-ia dizer.
Rogério Nuno Costa utiliza para si o exemplo que utilizarei eu também: um exercício de teatro que tem como premissa “olhar o espaço como se fosse a primeira vez” (Costa, 2004:118).
Este tipo de postura leva-nos de encontro, não só ao que já definimos ser o perfil psicológico ideal do artista, mas também á noção explicada logo inicialmente de tábua rasa. É esta postura, esta abertura dos sentidos, de que se fala.
Contudo, qualquer tipo de espaço nunca é desprovido de qualquer tipo de identidade – sendo que o espaço é culturalmente construído, ele terá sempre associadas a si narrativas, não só locais, mas também temporais; sejam ela mitológicas, politicas, culturais, económicas, religiosas, etc.
Porém, inicialmente o espaço, e tal como a postura do personagem artista, é tomado como desprovido dessa identidade – ele é primeiramente apreendido como o que é: um espaço físico, com características dimensionais, dispositivas, fisiológicas e pictóricas; para posteriormente ser apreendido como palco de qualquer tipo de performance (aqui utilizado no sentido mais antropológico do termo, ou seja, não necessariamente, mas também artístico), sendo assim apreendido de uma forma mais completa e profunda.
Não podemos esquecer, apesar de tudo, que o artista é um actor social: também ele tem narrativas associadas à sua criação enquanto actor social, enquanto elemento interactuante com outros, enquanto artista; porém também estas facetas começam a surgir ao longo do tempo, elas são inicialmente remetidas para segundos e terceiros planos.
Estas seriam então as premissas base do trabalho site-specific: esta relação entre o self – de qualquer artista que intervenha num determinado espaço – e o espaço em que este intervém; este entrançar de poderes simbólico e empírico.
É importante, porém, reter a noção de que esta intervenção assim se diz uma vez que o artista será o elemento activo neste acordo, ele é contudo afectado (bem como o trabalho que desempenha) pelo próprio espaço, pela sua identidade.
Seguindo deste ponto, podemos referir então que determinado trabalho não é só site-specific, ele é também artist-specific: ele resulta da simbiose entre determinado artista, num determinado contexto espacio-temporal: porque conquistar o espaço de trabalho é também conquistar o tempo que esse trabalho atravessa.

A partir daqui para onde seguir? Talvez através desta personagem: o artista, compreender o funcionamento deste processo simbiótico e também perceber como se atinge determinado resultado, ou porquê de atingi-lo.

pic. Von Magnet

Saturday, November 25, 2006

...tábua rasa / carta urbana / plain table /urban letter... (o #1/2 take que faltava)

interlúdio: 2ª parte

Daqui, podemos partir para outras afirmações. Se tivermos em conta por exemplo algumas das teorias chicaguianas sobre a marginalidade – ou melhor, sobre as personagens marginais – podemos encaixar perfeitamente o artista nas premissas que se desenvolveram nos estudos da Escola de Chicago.
Seguindo o modelo de Chicago, poderíamos colocar o artista – tal como outras personagens ligadas a estilos de vida mais à margem da regra geral – na chamada zona de transição, área geográfica da cidade que seria pautada por uma forte desorganização social, conceito idealizado por Thomas.

Contudo, mais do que geográfico, este conceito aplicar-se-á à personagem do artista se pensarmos numa zona de transição de classes – aqui talvez num sentido demasiado marxista, mas que de certa forma me parece clarificar e sistematizar o que se pretende explicar.
Utilizando como ponto de partida o modelo de mapeamento de Chicago feito por Burgess, podemos desenhar um modelo hierárquico de classes sociais, baseado em diversos critérios: factores económicos, religiosos, culturais, simbólicos, etc; em que o centro seria o pólo de maior concentração destes tipos de capitais, e a periferia o local em que estes tipos se encontravam em maior défice.
Entre um extremo e outro, estaria o artista (entre outros personagens), qualquer que fosse o critério utilizado: isto porquê? Porque a sua movimentação é transversal às classes – ele é nativo e estrangeiro ao mesmo tempo; não só de um local como de uma classe social.

Voltando um pouco atrás, falta-nos então somente atribuir uma outra característica ao artista que o distanciaria do conceito clássico de urbanita: a atitude blasée, traço psicológico característico do urbanita mas que não caracteriza, muito pelo contrário, o artista. Este possui antes um traço psicológico muito mais ligado à emocionalidade, e ao envolvimento, a uma procura de estímulos – muito mais do que um embotamento que o salvaguarda dos mesmos.

Claro que tais afirmações, e como já foi referido acima, se tratam apenas de premissas ideais. Nem todo o artista se encaixara neste perfil psicológico/identitário. Todos estes factores se transformarão mudando o contexto cultural, social, politico, etc; porém estas características – especialmente se tomarmos a questão do envolvimento como núcleo central da identidade – tornam-se essência do perfil identitário do personagem artista, mais ou menos visíveis, prevalecendo umas sobre outras.

Quase se pode falar de uma terceira espécie – mais do que urbanita, mais do que rural, mais do que rico, mais do que pobre: artista.

É deste ponto que podemos partir então para as noções de site-specific e de contexto, bem como para a inserção da prática da performance nesse mesmo contexto: o urbano.


fim do ponto 3.1

Thursday, November 23, 2006

...tábua rasa / carta urbana / plain table /urban letter... (takes #3, 1/2)

3. Cartas de jogo:

3.1. Partir – Definição de conceitos

Por onde começar a jogar? Por preparar o jogo: planificar, explanar.
Para tal temos que começar, então, por definir os principais conceitos operatórios desta temática.
Podemos começar por definir sucintamente os conceitos de performance e urbano.
Performance define-se neste caso então, mais do que uma pratica social, uma prática artística, um modo de expressão artística; e com tal um meio de comunicação. Este género expressivo tem a sua génese no teatro clássico; contudo, introduz na sua estrutura uma liberdade de meios comunicativos que até então não existia dentro da dramaturgia, chegando mesmo a deixar de o ser (dramaturgia): os mais comuns são o vídeo, a pré-gravação de voz, a ausência de um texto dramático, etc.
É neste sentido que o género performativo mais se afasta do teatro clássico, acabando por surgir como género expressivo independente, com uma produção artística e teórica regular, no final da II Guerra Mundial.
Quanto ao conceito de urbano, ou centro urbano, este define-se (aqui utilizando autores como Weber, Simmel e Lefebvre) como local, de grandeza considerável, de estabelecimento de uma população que vive essencialmente do comércio e da prestação de serviços. Porém, o aspecto que mais interessa no contexto deste trabalho prende-se com as noções de espaço e tempo – variáveis que serão relacionadas mais à frente. Segundo Simmel, estas duas noções são consideravelmente reduzidas em relação àquilo que não se considera como centro urbano – tal facto deve-se sobretudo a uma muito maior mobilidade da população: dentro do centro urbano e entre centros urbanos.

Outro aspecto importante, e que caracteriza o centro urbano, é a existência de dois tipos de personagem especificas deste meio físico e social: o urbanita e o estrangeiro (conceitos ligados a George Simmel e à Escola de Chicago, respectivamente).
Tais conceitos serão de extrema utilidade na conceptualização da personalidade do indivíduo artista (sublinho novamente tratar-se somente de uma noção ideal, longe de ser estanque, fixa ou hermética).
O urbanita é definido, ao longo do trabalho de Simmel, como um indivíduo embotado, individualista, e apologista da diferença e da unicidade. Este traço psicológico é denominado por atitude blasée, uma inibição do processamento de estímulos, uma inibição da sensibilidade aos estímulos.
Por outro lado, o estrangeiro define-se por uma sede de dados, de informação: como se de uma tábua rasa se tratasse, à espera que o contexto se inscreva em si; como se incorporasse em si um mapa, uma carta descrevendo a paisagem; à espera de entrar no jogo (Coulon, 1997: 52).

Assim, o artista definir-se-ia como um urbanita eternamente estrangeiro; ou seja, seria um indivíduo apologista da diferença e da unicidade, individualista. Porém, e tal como o estrangeiro, ele encontra-se à parte – o artista possui uma capacidade de distanciamento analítico da sua própria sociedade, sendo ao mesmo tempo um nativo e um estrangeiro. Este distanciamento é promovido por um posicionamento transversal que toca várias áreas do social.




fim da 1ª parte: interlúdio

Wednesday, November 22, 2006

4

...franko b / franko b...






















Oh Lover Boy, Franko B, 2000, Sweden















I Miss You, Franko B, 2000, Turin

Franko B was born in Milan and has lived in London since 1979. He has been creating work across video, photography, performance, painting, installation, sculpture and mixed media since 1990.

3

...accionistas de viena / viennese actionists...



(Rudolf Schwarzkogler, 3 Aktion, Viena, 1965)



let the beard and hair grow
fast and take steam baths
hold your breath
eat nothing salty
don't look into fountains
don't look out windows
stay awake
sleep in a green house on the bare earth
as long as it's raining

(Rudolf Schwarzkogler, Art as Purgatory of Senses, 1968)

Tuesday, November 21, 2006

...tábua rasa / carta urbana / plain table /urban letter... (takes #1 & #2)

1.
Pretende dar a ideia de oposição entre as "expressões", partindo do principio que a tábua rasa teria um valor semelhante ao que apresenta na filosofia – o de brancura e pureza do individuo em relação aos estímulos do mundo –; enquanto que a carta urbana reflectiria a multiplicidade de estímulos de que se compõe o mundo urbano, aos quais o indivíduo se encontra sujeito, bem como aqueles que é o próprio individuo a infligir no ambiente que o circunda e nos outros indivíduos – ideia de escrita, de acção sobre, de troca, de jogo.
Pretende, também, dar uma visão processual dos tópicos apresentados no subtítulo: identidade, espaço e tempo – mostrar que estes três elementos actuam em conjunto no seu próprio desenvolvimento. Muito mais do que em conjunto, em correlação.
(...) não só referir a forma destas relações e interacções entre estes elementos, mas também dissecar até ao conteúdo das mesmas, passando sempre pelo indivíduo que as promove, sofre, experimenta e escolhe aceitar ou rejeitar.
O que de mais específico apresenta este trabalho será, então, a escolha da personagem que vive estas experiências e a maneira como as trabalha: o artista, mas acima de tudo o performer. Contudo, muitas das vezes será referido o artista, uma vez que algumas das noções poderão ser de carácter geral, dentro daquilo que seria a identidade ideal da pessoa artista.
Talvez seja importante explanar logo desde o início que é exactamente disso que se fala, de noções gerais e ideais; apesar de se centrar num personagem mais específico, nunca o posicionamento objectivo é deixado de lado, sempre que se fala no artista, ou no performer, será no sentido mais lato e ideal do termo.
...

2. Purgante
É-me difícil começar a escrever sobre este tema. Ele encontra-se plenamente na minha mente, contudo a dissociação de partículas para análise é ainda complicada.
Este desabafo introdutório não serve para desculpar qualquer tipo de engano, desonestidade ou falha; ele serve tão-somente para ilustrar (honestamente) a complexidade da relação entre os elementos constituintes de uma performance site-specific – que a bem da verdade, são mais do que aqueles que se apresentam em destaque, mas cujas circunstâncias não permitem explorar.
Este vai ser, então, um jogo explicativo, e um jogo de compreensão – inclusive para mim que escrevo o texto.

(...)


in progress...

2


a decorrer... / in action...

Monday, November 20, 2006

1

...individuo com corpo, corpo que é arte, arte sensual, arte performativa, para uma maior sensualidade, para que seja mais arte, para que seja mais corpo, para que seja mais eu......corpo que se olhe, corpo que se sinta...



...with a body, a boday that's art, sensual art, performative art, for a greater sensualness, for a greater art, for a greater body, for a greater me...
...a body you can look, a body you can feel...