Monday, November 27, 2006

...tábua rasa / carta urbana / plain table /urban letter... (take #4)

3.2. Baralhar

Passemos então às noções de espaço e tempo – correlacionando-se, e em correlação com a de identidade.
Continuarei a falar de identidade, a construí-la, a processá-la, mas é chegada a altura de entrar com as duas variantes mais importantes e que conferem ao processo o seu carácter mutante e dinâmico.
Há que instalar o artista num contexto, dar-lhe um espaço e um tempo – há que injectar uma identidade num espaço e dar-lhe tempo: para que o espaço ganhe uma identidade, para que o indivíduo reconstrua a sua, e para tudo isso é preciso tempo.

Para ilustrar o que pretendo dizer, usarei como muleta um texto de Rogério Nuno Costa – performer – publicado na revista ArtinSite da Transforma AC, “O Objecto Sensível – em 9 partes”.
Neste texto é-nos apresentado um ponto de partida que se prende essencialmente com a noção de virgindade, poder-se-ia dizer.
Rogério Nuno Costa utiliza para si o exemplo que utilizarei eu também: um exercício de teatro que tem como premissa “olhar o espaço como se fosse a primeira vez” (Costa, 2004:118).
Este tipo de postura leva-nos de encontro, não só ao que já definimos ser o perfil psicológico ideal do artista, mas também á noção explicada logo inicialmente de tábua rasa. É esta postura, esta abertura dos sentidos, de que se fala.
Contudo, qualquer tipo de espaço nunca é desprovido de qualquer tipo de identidade – sendo que o espaço é culturalmente construído, ele terá sempre associadas a si narrativas, não só locais, mas também temporais; sejam ela mitológicas, politicas, culturais, económicas, religiosas, etc.
Porém, inicialmente o espaço, e tal como a postura do personagem artista, é tomado como desprovido dessa identidade – ele é primeiramente apreendido como o que é: um espaço físico, com características dimensionais, dispositivas, fisiológicas e pictóricas; para posteriormente ser apreendido como palco de qualquer tipo de performance (aqui utilizado no sentido mais antropológico do termo, ou seja, não necessariamente, mas também artístico), sendo assim apreendido de uma forma mais completa e profunda.
Não podemos esquecer, apesar de tudo, que o artista é um actor social: também ele tem narrativas associadas à sua criação enquanto actor social, enquanto elemento interactuante com outros, enquanto artista; porém também estas facetas começam a surgir ao longo do tempo, elas são inicialmente remetidas para segundos e terceiros planos.
Estas seriam então as premissas base do trabalho site-specific: esta relação entre o self – de qualquer artista que intervenha num determinado espaço – e o espaço em que este intervém; este entrançar de poderes simbólico e empírico.
É importante, porém, reter a noção de que esta intervenção assim se diz uma vez que o artista será o elemento activo neste acordo, ele é contudo afectado (bem como o trabalho que desempenha) pelo próprio espaço, pela sua identidade.
Seguindo deste ponto, podemos referir então que determinado trabalho não é só site-specific, ele é também artist-specific: ele resulta da simbiose entre determinado artista, num determinado contexto espacio-temporal: porque conquistar o espaço de trabalho é também conquistar o tempo que esse trabalho atravessa.

A partir daqui para onde seguir? Talvez através desta personagem: o artista, compreender o funcionamento deste processo simbiótico e também perceber como se atinge determinado resultado, ou porquê de atingi-lo.

pic. Von Magnet

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