Monday, December 11, 2006

...tábua rasa / carta urbana / plain table /urban letter... (take #7)

O que temos então?
Um espaço, um individuo/artista, um tempo de acção. Durante esse tempo o artista intervém no espaço, actua sobre ele. Durante esse tempo o espaço delimita o trabalho do artista, actua sobre ele. Este processo aproxima-se, quanto a mim, muito do processo de aprendizagem descrito pela psicologia infantil: uma fase intuitiva, uma fase simbólica e, por fim, uma fase cognitiva – ou seja, começando por reconhecer objectivamente o espaço, enquanto este nos limita; perceber as limitações simbólicas (não só físicas, mas também narrativas) e aprender a manejá-las para proveito próprio; e finalmente, manipular essas mesmas potencialidades simbólicas de forma a criar um espaço maior do que aquele que realmente existe, um espaço imaginário, uma resolução artística para um qualquer problema artístico.
Falamos então de uma aprendizagem não escolástica – e não o é naturalmente; nem de outra forma poderia ser sendo que se trata de uma relação quase simbiótica entre o espaço, o artista e a obra que dessa relação nasce. Também não o é, por um outro simples facto: fala-se de uma relação horizontal, de um pé de igualdade; ou seja, não existe uma supremacia de um dos elementos sobre o outro, o que faz com que não haja uma ligação duradoura entre um dos elementos em relação ao outro: nem o indivíduo fica ligado para sempre ao espaço onde interveio, nem o espaço ficará sempre ligado ao artista que interveio sobre ele.
O que ficaria, seria antes um fio ténue e frágil entre a memória de um espaço e de uma intervenção, e a possibilidade de usar o que se aprendeu em determinado espaço num outro.
A resolução artística de que se falava acima, e esta horizontalidade relacional, resultam essencialmente da apropriação de formas discursivas locais; legitimadoras, não só da presença do artista num determinado espaço, mas essencialmente legitimadoras da atenção que lhe é dispensada pelo outro, pela audiência.

Aspecto que pode ter sido um pouco negligenciado é este, a audiência, o outro.
Contudo, esta audiência não é só público (como entendido classicamente no teatro), audiência são também outros artistas que podem estar a intervir no mesmo espaço, e com cujos espaço imaginários o nosso personagem tem de lidar, trabalhar, apropriar, etc.
Contudo, a noção de alteridade é indissociável deste processo, não só porque o outro é o fim a que se quer chegar, mas porque ele se trata também de um meio – ele é objecto e objectivo ao mesmo tempo –, e também ele mantém uma relação horizontal com o espaço e com o artista.
E também ele, o outro, será protagonista de um confronto, será palco de tensões, e experimentará a noção de fronteira: entre real e ficcionado/imaginado, entre si e o artista (agora outro), entre o espaço que possuía uma significância para si e o espaço recriado das suas significâncias numa forma nova e estranha.

Deste modo podemos dizer que a instalação performática site-specific, é uma espécie de ritual. Ritualização de um corpo ausente, estranho, redesenhado; ritualização de um espaço, muitas vezes abandonado de significâncias; ritualização de um tempo; ritualização de uma memória esquecida, de uma narrativa – é um sacrifício ritual do objecto artístico àquele momento.
Como escreve Rogério Nuno Costa: “os limites físicos do objecto não existem” (Costa, 2004:122) – eu diria mais, os limites começam por existir, porém são esticados até à exaustão de maneira a que deixam de existir… o objecto artístico explode e deixa para trás nada mais do que uma imensa e intensa memória que, por ser visual e baseada em algo que já existia e se deixou morrer, adquire uma força simbólica extraordinária.


fim / end

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