Thursday, January 11, 2007

Radio-Performance (take #2)

ANÁLISE CONCEPTUAL

A performance é conceptual.
E é-o uma vez que, apesar de prática incida no início do século XX, é enquanto conceito que ela surge no vocabulário artístico e científico.
É como definição que ela inicialmente figura: definição de algo que já existia mas que não estava catalogado; de uma crescente necessidade de dar nome a isso que surgia no campo das artes, que tanto dava que falar, e que se encontrava em franco desenvolvimento em número, características e qualidade.

Apesar de já se falar de teatro experimental (é inicialmente no campo das artes que o conceito surge) durante o final do século XIX e no início do século XX, é só no final da I Guerra Mundial (1914-1918) que surgem as primeiras referências literárias ao género/termo.
Ao nível da produção de conhecimento científico, uma das grandes influências contemporâneas do surgimento do conceito foi o Instituto Bauhaus, na Alemanha. Neste instituto, levaram-se a cabo estudos do ponto de vista da arquitectura, espaço, urbanismo, organização espacial, relação do individuo com objecto, etc., sendo estes posteriormente utilizados na produção de, e teorização sobre, performance.
Assim, na década de 20 do século XX, a performance enquanto género de expressão (nesta altura ainda muito ligado ao teatro clássico) caracterizava-se essencialmente pela tentativa de rompimento com a tradição de produção, não só teatral, mas nas artes em geral; pelo experienciar de limites, pelo espelhamento da sociedade: considerando o performer como um meio de comunicação, tentava demonstrar-se a relação do individuo com o mundo, a relação do criador com o criado, dando sempre mais importância ao processo de produção do que ao produto em si, numa constante procura de autenticidade, de verdade. Ela possui-a então (o que será uma das suas características mais vincadas ao longo do tempo) uma estreita relação entre aquilo que se passava no mundo e aquilo que tentava mostrar. Ela começava a definir-se então como activa, revolucionaria, consciente, momentânea (como a realidade): ela seria uma das áreas desenvolvidas e impulsionadas pelo movimento avant garde.

É, contudo, somente com o fim da II Guerra Mundial (1939-1945) que o conceito ultrapassa as fronteiras da marginalidade (carácter que sempre lhe tinha sido atribuído) e começa a ser referido tanto em obras de critica artística, como do foro discursivo dos próprios criadores de performances, chegando até às obras cientificas, nomeadamente das ciências sociais e/ou humanas.
O surgimento destes conceitos nestas áreas do saber não é, porém, contemporâneo: o conceito surge em momentos diferentes em cada um destes sectores. Logo no inicio da década de 50 (séc. XX), a performance começa por alterar um pouco a temática que a regia, alteração essa que reflectia também o pensamento vigente do pós guerra.
Assim sendo, este género expressivo continua com algumas das temáticas/propósitos iniciais, ganhando contudo uma ainda maior consciência social e cultural, bem como certas especificidades técnicas. Ou seja, continuava a romper com as tradições e continuava a espelhar a sociedade, contudo o performer como individuo (e como parte integrante dessa mesma sociedade) ganha uma nova importância – assim, a performance para além de espelhar a realidade circundante, reflecte também o posicionamento do próprio performer como elemento social da mesma; ele já não é somente um meio de comunicação, ele é um meio e um princípio, comunica e é comunicação.
A performance começa a transformar-se numa arte politica e numa arte teórica – conceptual.
É partindo destes pressupostos que começa a ser repensada a posição até do próprio espectador, aquando de uma apresentação pública, e que começam a ser utilizados recursos multimédia: som, imagem, texto gravado, etc. É então nesta altura que há uma criação de grande numero de obras do ponto de vista discursivo dos próprios criadores, e do ponto de vista critico.
Nesta altura surgem então autores como Kaprow (1959), Bonnie Marranca (1977) ou Lyotard (1979), sendo que os dois primeiros se debruçavam tanto sobre a performatização como sobre a redacção de textos alusivos à mesma, enquanto que o ultimo (possuidor de formação académica no ramo das ciências humanas) se debruçava essencialmente sobre a análise de performances, do ponto de vista, artístico, cultural e social.
A partir desta conjuntura podemos falar daquilo a que, em certas obras, foi denominado de movimento avant avant garde; ou seja, um enpowerment da performance enquanto género expressivo independente, auxiliado não só pelas suas características singulares ligadas à sua pratica, mas também devido ao facto do conceito – muito devido aos seus paralelismos com algumas situações sociais muito em voga na altura – ter atravessado o campo das artes expressivas, para o campo das ciências humanas (inicialmente) e posteriormente para as ciências naturais (nomeadamente no campo da física mecânica).
Estamos então em plenos anos 80: é nesta altura que a performance, enquanto género expressivo e conceito científico ganha a sua maior força. É também a data (1980) da formação do primeiro Departamento de Estudos Performativos, em Nova Iorque, por Richard Schechner (autor infindavelmente citado por Victor Turner).
Todos estes factores: esta especialização técnica, esta validação do termo e do género pelas ciências sociais, a crescente confiança num lugar para ela, conduzem a que a performance se estabeleça nesta década como disciplina artística e expressiva, independente do teatro – e assumindo para si, não só especificidades técnicas ao nível da criação e da prática, como também uma abertura ao social e às influencias de outras artes e áreas do saber.
Surgem, no final da década de 80, os conceitos de performance management, de technoperformance e de cultural performance, estando o primeiro ligado às questões de organização e gestão (economia), o segundo à tecnologia (mecânica), e o ultimo ligado mais as ciências sociais (antropologia, sociologia e filosofia).
Desta altura destacaram-se autores como Nöel Carroll (1986), Marina Abramovic (1975-1988), ligados essencialmente à criação de objectos artísticos – statements –, e ainda Peter Brook, Erika Fischer-Lichte (1980-1989), Victor Turner (1987) – antropólogo responsável pela obra Antropologia da Performance, e um dos apoiantes da teoria pós-moderna nas ciências sociais – e, mais recente, McKenzie (2001) que, produzindo textos durante a década de 90 do séc. XX e inicio do século XXI, propunha uma teoria una e única para a performance – algo que, para além de difícil, é quase contra natura tendo em conta a estreita relação entre o género expressivo e a realidade que circunda o criador do mesmo.
Assim, podemos dizer que a década de 80 do século XX foi palco de acentuadas e importantes transformações na performance, não tanto ao nível da sua estrutura, mas sim ao nível da sua atitude, da projecção que ganhou, do publico que conquistou, e também do espaço que ocupou no campo dos estudos sociais.


...fim da 1ª parte...

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