Friday, March 21, 2008

...das identidades (take #4) - Conceito-Chave: Tempo

Comecemos então pelo conceito de tempo.
Os dicionários de língua portuguesa são unânimes em defini-lo como “oportunidade; período; época; prazo; (…) ocasião propícia”[1], porem esta definição mais literal deixa escapar uma dimensão muito mais subjectiva e empírica deste conceito – provavelmente a dimensão que torna mais difícil a sua definição. Assim, com base tanto nas teorias sobre memória de Paul Connerton, como nos testemunhos dos artistas entrevistados, torna-se premente a divisão do tempo em dois segmentos que decorrem paralelamente e apresentam estrutura semelhante – anos, horas, minutos, segundos –, mas que do ponto de vista subjectivo e empírico apresentam diferenças aos níveis da medida e da relevância: o tempo geral e o tempo particular[2]. Sendo na realidade o mesmo tempo, mas experimentado de forma diferente, ele divide-se num ponto fulcral: o da intensidade da experiência. Para alem desta constatação, parece importante referir que apesar do tempo particular ser de uma índole muito mais pessoal, parece ser o tempo geral que melhor, e mais, define a experiência: o tempo dos grandes acontecimentos, o tempo mítico.
Esta separação torna-se explicita especialmente em situações de confronto, e do ponto de vista discursivo ela é construída à medida que o é o discurso: torna-se tão importante saber como, como saber quando.
Temos então, um tempo que é dinâmico, mítico, segmentado, altamente subjectivo e empírico, individual em toda a sua generalidade, discursivamente manipulável, e por isso construído culturalmente, possuidor de uma medida/estrutura, relevância e intensidade – sendo que as duas primeiras relevam da ultima enquanto experiência.
Será difícil dizer se esta é realmente uma boa definição do conceito de tempo, ou se é sequer uma definição do conceito de tempo, mas é aquela que servindo o propósito desta pesquisa me parece ser a mais correcta, e apesar de complexa e quase filosófica, uma comum a qualquer individuo e cultura.

Associado ao conceito de tempo, e a este carácter comum, encontramos o conceito de mito. Este conceito é evocado neste trabalho essencialmente a partir da análise de Eduardo Lourenço[3], bem como da análise iconográfica e iconológica de Michele Rocha[4] sobre as obras de António Dacosta, tendo em conta o facto do trabalho se desenvolver à volta do universo de produção artística em Portugal, ou por portugueses.
Essencialmente neste último, a autora refere-se inúmeras vezes a um “tempo mítico destituído da ansiedade e devir” (Rocha, 2005:135). Enquanto que no primeiro caso – Eduardo Lourenço na sua “Mitologia da Saudade” –, se baseia numa espécie de negação de passagem do tempo para definir o encarar da temporalidade da cultura portuguesa.
Assim, e aliando as duas premissas de cada um dos autores, podemos conceptualizar a noção de mito como algo referente a um tempo passado, mas que se encontra também no presente e se projecta no futuro – ruínas, memórias, etc. (itens enunciados por David McDougall como sinais de ausência[5]). (McDougall, 1994:263-264)
Ou seja, o conceito de mito é aquele que serve a negação da passagem do tempo; ou melhor, é ele que – através da sua manipulação por parte dos indivíduos de uma comunidade – será o laço que une o passado ao futuro, passando inevitavelmente pelo tempo presente.
Tal conceptualização parece demasiado genérica, demasiado universal para servir unicamente o universo imagético português. Na realidade é, esta trata-se de uma lei universal já teorizada por outros autores, entre os quais o já referido Paul Connerton; contudo, não é na sua forma mas no seu conteúdo que este laço distingue Portugal de outros países, grupos étnicos, etc.
Michele Rocha dá-nos conta de um sentimento de perda e de uma tentativa de imortalização do indivíduo, de uma força que renega a mudança, o avançar do tempo, através da memória; Eduardo Lourenço fala-nos de saudade, de um sentimento de nostalgia de um tempo passado aliado a uma esperança futura: ora, é então aqui que reside a diferença, nestes elementos constitutivos, nesta preservação do mito pela memória, pelo gesto, pelo hábito, nesta esperança de que tudo volte a ser como dantes, porque a glória já passou, mas é preciso tê-la de volta.
Assim, o mito surge como uma ponte que interliga vários dos aspectos tratados neste trabalho, e a sua relevância surge da sua posição base na construção temporal do povo português.
Como será então transposta esta temporalidade portuguesa para imagens?
Passemos então ao conceito de cultura visual.
[1] in Dicionário Académico de Língua Portuguesa, Porto Ed., Porto, 1991, p.556.
[2] Divisão conceptual forjada com base na entrevista a Patrícia Portela – criadora da área da cenografia e do teatro. Para consulta na íntegra, consultar anexos p. XXIV.
[3] LOURENÇO, Eduardo, “Mitologia da Saudade” in Portugal como destino seguido de Mitologia da saudade, Gradiva, Lisboa, 1999.
[4] ROCHA, Michele, “António Dacosta – À procura de um tempo mítico” in José Fernandes Pereira (dir.), ArteTeoria – Revista do mestrado em Teoria da Arte da F.B.A.U.L., Facsimile Lda., Lisboa, 2005, n.º 6.
[5] Sinais de ausência seriam, segundo David McDougall, uma prova, vestígio ou testemunho silencioso de um passado do qual, ilusoriamente, se aguarda a recuperação. Promove o acto de recordar como algo virtuoso. Num ponto de vista mais complementar do que contrário, é forjado o conceito de sinais de sobrevivência: uma ligação a um imaginário comum por meio de provas válidas e concretas – fotografias, cartas, filmes, etc. Provam a experiência ao invés da existência.

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