Sunday, March 23, 2008

...das identidades (take #5) - Conceitos-Chave: Cultura Visual e Produção Artística

O autor Nicholas Thomas inicia o seu artigo “Collectivity and Nationality in the Anthropology of Art” referindo a noção de cross-cultural aesthetics – estética transversal entre culturas. (Thomas, 1997:256)
Tal conceito poderia levar-nos a estender o conceito de cultura visual, e transformá-lo no conceito de cultura artística. Porém, e para o propósito deste trabalho, a noção de visualidade torna-se bastante mais premente do que o artístico num sentido lato. Este facto deve-se à ideia de expressão de um colectivo através do processo artístico, contudo esta expressão só é apreensível do ponto de vista performático; ou seja, só podemos falar de uma cultura visual baseada na diferença identitária, na reacção.
O quer isto dizer: quer dizer que podemos falar de uma cultura, cuja visualidade é característica, mas somente se tivermos em conta outras culturas envolventes da qual a primeira se diferencie – tudo isto tomando como base uma espécie de interaccionismo chicaguiano.
Assim podemos falar de uma espécie de performance identitária, ou seja, de uma identidade que se revela a sua estrutura – ou premissas – no confronto com o exterior, a partir de rituais: religiosos, sociais, e/ou artísticos[1].
Como ritual artístico primordial temos então o processo – a geração de um objecto artístico baseado num modo de pensamento próprio e em premissas teóricas próprias da área artística –, e além dele, as noções de tipo de juízo e ângulo[2] (premissas teóricas e formais que podem dirigir o processo de criação). (Thomas, 1997: 262)
Nada disto é novo, estas noções de confronto associadas à identidade e estes rituais que as revelam (às identidades), porém é recente a sua aproximação ao universo artístico. O que se pretende com este conceito é definir uma cultura (grupo ou subgrupo, comunidade ou nação) partindo das suas manifestações artísticas visuais – definição na qual a noção de performance justifica a sua presença (se tal for preciso) pelo seu carácter re-articulador de signos e significados (o já anteriormente falado, e explicitado mais à frente, conceito de mecanismo performance). Assim a obra, apesar de criada individualmente, nunca deixa de ser criada por uma comunidade, pois é nela que o criador se desenvolve e aprende a trabalhar as premissas teóricas bem como as ferramentas formais para construir o seu discurso – um discurso que poderá não ser representante dessa mesma comunidade, mas poderá ser representativo da mesma. Ou seja, pretende-se conceber a maneira como a memória é traduzida – nas palavras de David McDougall – para imagens: que referentes simbólicos são utilizados e que ideologia dirige a selecção de determinado instrumento teórico, ou formal, num processo de criação artística. (McDougall, 1994:261-262)

Passamos ao conceito de produção artística.
Não podemos contudo defini-lo sem outro um outro conceito que, para além de definir o que se entende por produção artística, acabará (nalgumas teorias da arte) por definir aquilo que se entende por arte: o conceito de enunciação.
Enunciação, define-se nos dicionários de língua portuguesa (e de forma óbvia para este trabalho) como “preposição; (…) tese.”[3]. Deste ponto de vista o próprio conceito de arte passa a ser única e exclusivamente um nome que se atribui a algo – tal como nos diz, na sua entrevista, o criador Rogério Nuno Costa: “aquilo que eu faço, que eu proponho, não é nada que não aconteça já na minha vida de todos os dias, mas apenas e só porque eu digo “Isto é um objecto artístico!” e passa a ser… (…) a arte é um nome…”[4].
Assim, e tendo este facto em conta, aquilo que se entende aqui por produção artística é: não só o facto de se produzir aquilo que será obviamente denominado como artístico – nomeadamente das áreas da pintura, da escultura, ou ainda da literatura (não incluídas neste trabalho), mas também o facto de se produzirem objectos que não serão obviamente artísticos, mas que o são por serem encarados como tal – por quem cria, por quem promove, por quem consome. Estes objectos, de índole artística menos óbvia e de simbolismo mais carregados, provêm exactamente das áreas da performance, da dança, da fotografia/artes plásticas – objectos esses que devem a sua índole artística à enunciação que lhes é atribuída, à carga teórica que carregam no seu conteúdo –; as áreas trabalhadas nesta pesquisa.
Assim, e finalmente, o que se entende aqui por produção artística é a produção – individual ou colectiva – de objectos, resultante de um tipo de pensamento e conhecimento artístico, da aliança entre uma forma, uma estética, e (sobretudo) de um conteúdo teórico, bem como a produção – através, e paralelamente, à produção desses objectos – de estruturas identitárias individuais e/ou colectivas.
Mas se o objecto artístico não difere, nos seus componentes físicos e gestuais, do quotidiano; em que difere ele?
Passemos então ao muitíssimo relevante conceito de mecanismo performance.

[1] Noção teorizada por Ruy Duarte de Carvalho como criatividade diferencial identitária, conceito forjado com base no estudo sobre a reprodução social, e a produção de diferença por rituais mágicos e artísticos.
[2] Os juízos do processo artístico dividem-se em crítica e exaltação; os ângulos dividem-se em individual e colectivo/histórico.
[3] in Dicionário Académico de Língua Portuguesa, Porto Ed., Porto, 1991, p.288.
[4] Para consulta na íntegra, consultar anexos p. XVI.

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