Monday, March 24, 2008

...das identidades (take #6) - Conceito-Chave: Mecanismo Performance

E porquê muitíssimo relevante? É ele que justificará a performaticidade de determinados objectos, bem como a sua artisticidade. Por outro lado, é este conceito que dita as regras do processo artístico enquanto acto performático e identitariamente estruturante.
Para uma melhor compreensão serão convocados os conceitos satélite: ritual, representação e sub-representatividade –, uma vez que serão eles os componentes variáveis deste maior, que é o conceito de mecanismo performance.
Comecemos então pelos conceitos de representação e sub-representatividade. Estes dois conceitos apresentam-se aqui na modalidade de binómio uma vez que são os dois maiores componentes de um objecto artístico: o objecto e a sua significação. Parece importante desde já fazer a ressalva: é aqui utilizado o termo significação ao invés de significado, uma vez que o uso deste último tornaria a interpretação do objecto demasiado escatológica; ou seja, o que nos interessa não é tanto um significado atribuído ao objecto, mas a multiplicidade de interpretações a que este se presta durante a experiência artística, de quem cria e de quem consome. (Metello, 2007:11)
Assim representação tratar-se-á do objecto concreto que se apresenta, enquanto que por sub-representatividade se entendem todas as potências de conexão entre esse objecto e o imaginário individual ou colectivo de quem experimenta o objecto artístico. Em suma, a sub-representatividade baseia-se na intensidade da experiência – muito mais do que no reconhecimento do objecto, na sua recognição, nas pontes que este cria para novos universos de significação.
Por outro lado, surge o conceito de ritual. Este conceito define-se essencialmente pelo seu carácter repetitivo; contudo – e como descreve Verónica G. Metello – esta repetição só o é na sua forma: o seu conteúdo, de índole hierofânica[1], encontra-se numa constante sucessão progressiva de mudança, em devir.
A par desta conceptualização mais abstracta, surgem porém questões ligadas ao tempo, ao espaço, à individualidade, e finalmente à colectividade. Tais questões surgem a partir da definição de liminaridade forjada por Victor Turner nos seus estudos sobre performance: noção que define o limite não como uma linha, mas antes como um a área de trânsito, de processo – processo esse que possui duas componentes estruturais: a liminal e a liminoíde[2]; o social e o pessoal/psicológico.
Assim, e usando a terminologia de Verónica Metello, o ritual é a repetição nua[3] de um acontecimento inscrito no tempo, mas que ao mesmo tempo é uma repetição vestida[4], devido ao seu carácter de constante mutação – devido à incorporação, com o passar do tempo, de novas experiências e da experiência de anteriores repetições do mesmo acontecimento: o ritual transforma-se a si mesmo.
Por fim, apresenta-se então o conceito central – à volta do qual todos estes giram – de mecanismo performance: um processo de descontextualização de determinados objectos, práticas e hábitos, para um posterior recentramento; em suma, a atribuição de novas significações a objectos, fora do seu uso ou significação quotidianos.
Assim, e numa articulação final, o conceito de mecanismo performance define o próprio processo de criação artística performática: mais do que a promoção de ruptura de limites, a promoção da sua extensão até ao limite da sua elasticidade conceptual; muito mais do que uma esteticização da realidade, uma intuição estética da realidade, ou seja, mais do que a tornar estética, tomá-la como estética. Promove, não a incorporação de elementos reais num universo imaginário, mas a revelação de componentes imagéticos que subjazem as práticas e os objectos reais. Por último, resta ressalvar que, uma vez que este processo implica não só o criador, como também o espectador, a intensidade da experiência do objecto artístico deixa de ser unívoco; ou seja, o processo artístico pode ser encarado como um processo fortemente identitário, tanto para o criador como para o espectador – ou seja, é nesta intensidade da experiência artística, que residirá a validade não só do objecto artístico, mas de todo o processo de descentramento e posterior recentramento conceptual: a validade da extensão dos limites dos componentes liminal e liminoíde do processo criativo, a incorporação (ou não) da experiência do objecto na estrutura identitária do individuo criador, e do individuo espectador.

[1] Eliade, Mircea, O Sagrado e o Profano – A Essência das Religiões, Lisboa, 2002, p.25. Revelação de uma sacralidade.
[2] Turner, Victor, Performance Analisys – An Introductory Coursebook, Londres/Nova Iorque, 2001. Os mecanismos referem-se à transformação do indivíduo, aos níveis colectivo e individual, social e psicológico, respectivamente.
[3] Repetição simples e aparente de uma mesma coisa.
[4] Repetição deslocada do contexto original, recontextualizada, e assumidamente em devir.

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