Wednesday, February 14, 2007

Radio Performance (take #4)

ANÁLISE COGNITIVA

A performance é cognitiva.
Esta afirmação, apesar de redundante – uma vez que mais ou menos tudo o que se possa dizer do comportamento humano terá uma origem cognitiva ou, pelo menos, cerebral –, é necessária. Ela reforça a complexidade dos processos mentais necessários para a execução e criação da mesma. Além e que será também este o seu campo de acção: o mental.

Na concepção deste texto foram utilizadas duas fontes bibliográficas: uma do foro da compreensão da arte Art and Science – Proceedings of the International Association Of Empirical Aesthetics, organizada por João Pedro Fróis e Pedro Andrade, e outra do campo da psicologia – nomeadamente das emoções ligadas à produção artística – Best Laid Schemes – The Psychology Of Emotions de Keith Oatley.
Assim, é importante referir que as obras se referem ao mundo e produção artística em geral, ou seja, tudo o que é dito acerca da performance é resultado de uma análise posterior à leitura dos mesmos.
Com isto temos, numa primeira aproximação, um pequeno levantamento de certas teorias acerca da compreensão da arte, por parte dos consumidores da mesma, e respectivas características. Num segundo tempo passamos à apresentação de certas características definidoras da arte enquanto processo cognitivo, bem como do aspecto visível das mesmas na execução.

Podemos então começar com a definição, que nos é oferecida na primeira obra, de arte quando apreendida por outros que não o seu criador: temos então que a arte é um sistema independente (a nível formal) de representação da realidade; ela não necessita de uma interpretação simbólica dos seus elementos, mas antes de uma leitura plena e plana. Que é o mesmo que dizer que quando algo – objecto, pessoa, acontecimento, som, etc. – surge, ou é referido, ele não o é em vez daquilo que pretende representar: ele é aquilo que pretende representar. Tal facto será sobretudo importante na compreensão do carácter contextual e momentâneo da performance, apresentado mais à frente.

Passemos então às propostas apresentadas e que resultariam nesta definição[1].
Na década de 80 os autores M. J. Parsons (1987) e A. Housen (1983) apresentaram duas hipóteses para uma metodologia que os ajudasse a compreender e medir a capacidade de apreensão artística dos indivíduos.
No primeiro caso, Parsons apresenta como proposta uma metodologia baseada em entrevistas semi-estruturadas, que resultava em conclusões escalonadas e hierarquizadas: eram apresentados vários estádios de desenvolvimento cognitivo – semelhantes aos apresentados na teoria psicanalítica – que definiam o grau de compreensão do individuo quando exposto a objectos artísticos, resultando num tipificação estanque e acontextual. Os estádios eram delimitados pelo destaque de um aspecto, a solo, da produção artística: gosto, beleza e realismo, expressividade (conceito utilizado para referir originalidade e a ideia de algo único, ou extremamente inovador), estilo e forma, e por último autonomia.
No caso de Housen, este apresentava na altura uma hipótese, também baseada em entrevistas semi-estruturadas, que tinha em conta mais factores afectivos do que a primeira apresentada (apesar de posteriormente publicada), mais ligada às questões do significado (que veremos mais à frente ser de considerável importância), da memória e da eficácia. Ou seja, aposta muito mais na relação criada entre o espectador e o criador.
Apesar disso, continua a apresentar resultados escalonados e hierarquizados (contendo juízos de valor), a ser acontextual. Mais do que isso, pressupõe que qualquer individuo possua formação académica em teoria artística ou história de arte, resultando assim – tal como o primeiro exemplo, de Parsons – numa insuficiência da amostra recolhida nas entrevistas, por esta não ser abrangente o suficiente; ou seja, não reflectir o universo de onde a amostra é seleccionada.

Numa segunda fase do desenvolvimento destas teorias sobre a cognição da arte, surgem um autor e uma dupla já do século XXI: M. H. Rossi (2000) e W. Wang e K. Ishizaki (2002).
Nesta segunda fase, as duas obras publicadas por estes autores reflectiam já o espírito pós-moderno, e são talvez os autores que mais importância dão às noções de contexto, construção, cultural e dinâmica.
Estas obras apresentam-nos as criações artísticas como tal: como algo que é construído, social, contextual, dinâmico; porém também como algo tecnológico – algo que se aprende a fazer, que se ensina a fazer, resultante de um processo.
Este processo é resultado directo de uma exposição à arte, ou seja, para estes autores a compreensão e apreensão da arte é atingida mediante um tempo (mais ou menos intermitente) em que o consumidor se expõe ao objecto artístico e à sua influência.
Assim, a ideia que os autores parecem transmitir é a de que o indivíduo é aculturado por um subgrupo cultural – como se tratasse de uma variante formal de um idioma institucional. O que parece transparecer também, e que parece fazer sentido, é a ideia de que a construção discursiva dos objectos artísticos será o indicador para se chegar a tal conclusão: ou seja, o objecto artístico (para o seu consumidor) é conhecido a partir do discurso que se produz à sua volta – o diálogo enquanto produtor de conhecimento e de experiência.

Por último, surge mais uma dupla de autores que trabalharam em conjunto na hipótese que melhor se adequa ao universo artístico: N. H. Freeman e D. Sanger (1995).
Neste último exemplo, os autores trabalharam ao longo da sua obra uma teoria relacional, não hierarquizada, em que o ponto comum entre três elementos seria o objecto artístico. Definiram-se então três relações cognitivas: objecto artístico – artista, objecto artístico – mundo e objecto artístico – espectador.
Ficamos então com o objecto artístico como peça central deste puzzle, e como elemento conector entre cada um dos outros três elementos: ele é um meio de comunicação, uma projecção.
Não se podendo falar de uma manutenção, uma vez que é anterior às de Rossi e de Wang e Ishizaki, esta hipótese apresenta já – o que se pode chamar de protótipo da ideia desenvolvida posteriormente – referencia às noções de exposição, de construção discursiva e de aculturação para um subgrupo cultural.

Passemos então à segunda parte: a apresentação das características da produção artística enquanto processo mental e cognitivo.

Na obra de Keith Oatley, Best Laid Schemes – The Psychology Of Emotions, é-nos apresentada uma outra definição do conceito de arte que se debruça essencialmente sobre uma perspectiva quase gramatical da arte.
Não que se proponha uma definição estanque de arte, mas antes uma definição baseada em relações e articulação de conceitos, bem como uma perspectiva cognitiva da produção artística.



[1] As propostas encontram-se por ordem de relevância e numa perspectiva evolutiva do pensamento, não por ordem cronológica, apesar de todas as datas se encontrarem referidas.


...fim da 1ª parte...