Sunday, March 04, 2007

Radio Performance (take #5)

...2ª parte...

Uma das primeiras afirmações feitas acerca do universo artístico prende-se com a sua origem no indivíduo: uma disjunção emotiva entre o individuo e o mundo que o rodeia. A primeira perspectiva, da qual se parte para uma crescente complexificação, apresenta-nos o processo criativo como processo terapêutico – arte narrativa –, a expressão de emoções através do contar de uma historia em que o contador se identifica com o protagonista com o passar do tempo; é também uma forma de se obter uma maior liberdade para experienciar do que na vida real.
Assim, a produção artística define-se, cognitivamente, como uma forma de exprimir emoções (supostamente inexprimíveis) a partir da articulação de unidades elementares constituintes das mesmas (emoções) e unidades semânticas – de um qualquer idioma: vocabular, visual, performativo, representativo, áudio, etc.
Neste aspecto, os procedimentos artísticos base assemelham-se em muito à produção científica (até como esta é concebida no modelo positivista), uma vez que se aproxima em muito de uma simulação computorizada de sistemas cognitivos (numa analogia entre o computador e o cérebro), e que ganha a sua validade artística – tal como na produção cientifica – na execução promovendo, não só a exploração de todas as vertentes da hipótese que se propõe, mas também a improvisação de variantes à hipótese proposta inicial.
Temos então que a arte, tal como a ciência, é uma multiplicidade de coisas e, por isso, impossível de definir exaustivamente e de forma programática.
Contudo, ao contrário da ciência que tenta aproximar a sua hipótese o mais possível da realidade – universal –, a arte procura aproximar a teoria o mais possível da experiência – contextual –; ou seja, é dada uma maior importância à coerência das teorias internas, dos princípios regentes do indivíduo, independentemente da sua coerência com a realidade envolvente.
Em última análise, é possível afirmar-se que o objecto artístico é criado a partir de um plano de consciência e conhecimento ainda não considerado, praticado ou refinado, de forma a atingir um resultado inesperado – o que de certa forma nos relega de novo para as teorias apresentadas na primeira parte do texto, sobre os estádios de desenvolvimento cognitivo no campo da apreensão da arte.
Por ultimo restam as questões ligadas à validade de uma produção artística e à clarificação, à eficácia da comunicação das ideias – sejam elas processadas em que idioma for: literário, performativo, audiovisual, etc.
Na primeira questão, que se debruça sobre a fidelidade aos factos sobre os quais se baseia o objecto artístico, a resposta é simples: ela, a fidelidade, é relativa; dependerá da ideia que se pretende transmitir. Por isso é-nos apenas possível dizer que a única obrigatoriedade se encontra nos limites do possível, ou seja, é somente possível reconhecer um objecto artístico enquanto tal se houver um mínimo de identificação entre o sujeito e o mesmo objecto.
Quanto à segunda questão, ela encontra-se em profunda dependência da primeira: consoante o grau de identificação do sujeito assim será o grau de eficácia de transmissão da mensagem, da ideia e, por conseguinte, será o grau de clarificação dos factos apresentados – seja em entrecruzares de redes sociais, situações de confronto moral ou de carácter.
Resta então, lidar com a questão da clarificação.
O que é importante referir é tão-somente, que esta clarificação não significa necessariamente catarse; ou seja, se pensarmos num objecto artístico cuja validade seja de um grau considerável, e cuja mensagem seja transmitida com eficácia também considerável, será claro para o espectador/consumidor quais os factos que constituem aquele objecto. Contudo não existe uma catarse enquanto resolução: os factos são clarificados, porém a escolha e a combinação entre eles continua a ser livre para o espectador, tanto ao nível do que retirar da sua experiência com dado objecto, bem como da classificação da experiência em si.

A produção deste texto pode ter a sua relevância questionada, contudo pareceu-me relevante perceber do que se trata quando olhamos para uma obra de arte, para um objecto artístico. Não contemplamos somente uma tela, ou uma actuação, ou um filme: temos acesso quase irrestrito ao clássico native’s point of view de Lévi-Strauss. O que quero dizer? Quando contemplamos um objecto artístico, não estamos somente a relacionarmo-nos com ele, estamos também a estabelecer uma relação com o criador e com a sua forma de experienciar o mundo que o envolve, com o que importa para ele, com o que é relevante – do ponto de vista simbólico, a obra de um criador, seria talvez o mais primordial meio de conhecimento sobre o mesmo; não fosse o seu carácter individual e momentâneo.
Por último foi também uma forma de mostrar uma das muitas vertentes científicas que se debruçaram sobre a produção artística.

No que toca ao caso especifico da performance, poucas vezes foi referida neste texto. Trata-se de uma análise de carácter panorâmico, de modo a que entenda (de forma básica) o funcionamento cognitivo aquando da produção de um objecto artístico. É minha intenção que todas as afirmações feitas acima possam ser lidas também para o conceito, género, tipo, da performance, sendo que esta é uma das formas de expressão de que acima se fala.