Tuesday, July 22, 2008

...das identidades (take #37) Defesa #3: História da Carochinha Performativa...

...ou a Performance Explicada às Crianças



Era uma vez, num país pequeno e há muitos, muitos anos, um menino chamado Sebastião. Sebastião gostava de andar de cavalo. Sebastião era dono e senhor de uma terra de sonhos.
Um dia mandaram Sebastião para a guerra em África, de onde nunca mais voltou. Desde então conta-se a história do menino Sebastião e espera-se que ele regresse numa manhã de nevoeiro.
Muitos anos depois nasceu no Norte desse mesmo país, um outro menino: (...).
(...) lembrava-se da história do menino Sebastião. Mas já tinha passado tanto tempo que a sua história, apesar de ainda ser contada na escola, e pelos avós, já não tinha importância para ele.
Um dia, o (...) tornou-se artista e começou a fazer as suas próprias histórias, sem se lembrar do menino Sebastião que tinha sido tão importante para o seu país pequeno, mas que já pouca gente se lembrava dele, ou então lembrava-o como uma anedota ou cujo regresso jamais iria acontecer. Num outro dia, (...) e outros meninos, esqueceram-se mesmo do menino Sebastião, que tinha deixado mesmo de ser importante, e começaram a viver sem se lembrar da história que lhes dizia quem eram.

Esta história, apesar de corriqueira, reflecte o estado da identidade nacional associada à produção artística.
A saudade que nos é tão característica, deixou de o ser em relação a um passado distante, a passou a sê-lo em relação a pedaços de passado que se confundem na sua posição temporal.
O tempo, de tão parado que o quisemos, começa matar-nos enquanto povo, enquanto cultura. O nosso país de poetas, já não tem poetas seus.

O tempo que decorreu entre um momento instaurador de uma memória que nos liga a todos é de tal forma longo que começa a ser impossível de suportar – para quem ainda o suporta. O tempo passou e nós ficámos lá atrás, ou melhor, ficámos a pairar acima da corrente do tempo – ou assim o pensamos. A performance como modo de reencarnar enunciados míticos em novos contextos culturais já foi; estes enunciados já não fazem sentido na actualidade, e as memórias que compõem esta nova mitologia (que sustenta uma identidade portuguesa actual) encontram-se desconexas e sem estrutura.
Victor Turner e Walter Benjamin, predisseram o enfraquecimento da experiência liminar e o declínio das tradições narrativas, assim como o empobrecimento da experiência do tempo e dos seus eventos extraordinários.
No caso português, devido à sua especificidade na vivência do tempo, este declínio deu lugar – não a um enfraquecimento da experiência –, mas antes a um embrutecimento da experiência. A ausência de estruturas conceptuais, e a fragilidade das estruturas identitárias enquanto povo, deixa-nos mais sensíveis a experiências artísticas, que por sua vez se tornaram mais brutas e mais cruas – mais pesadas.
Neste aspecto, a produção artística portuguesa não possui tendências temáticas, como acontece noutros países europeus. Porém, o uso do “eu” como ferramenta de trabalho acaba por remeter para um contexto social que envolve o artista criador e que interfere – como interferirá sempre – na produção de objectos, discursos e sentidos artísticos.

Labels: , , ,

0 Comments:

Post a Comment

<< Home