Wednesday, March 26, 2008

...das identidades (take #8) - Conceito-Chave: Memória Colectiva

O conceito de memória colectiva relaciona-se intimamente com o de identidade, uma vez que o primeiro é informado pelo último, reformula essa informação e informa de volta a identidade do indivíduo. Nesse sentido, pode afirmar-se que o conceito de memória colectiva promove, não só a conceptualização de um grupo de memórias colectivas comuns a um determinado grupo de indivíduos, mas essencialmente uma dialéctica entre a memória de um individuo, da sua experiência pessoal, e a relevância e incorporação da mesma na identidade do grupo a que pertence.

Paul Connerton, na sua obra “How Societies Remember” de 1989, define o conceito de memória colectiva como um sistema.

Num dado momento no tempo, decorrem acontecimentos – acontecimentos esses que dependendo da sua dimensão social, mediática, politica, económica, etc., poderão ser entendidos como momentos instauradores de regimes de interpretação da realidade – ideologias, correntes de pensamento filosófico, politico, etc. –, como momentos de ruptura de regimes anteriores, como inícios. Deste ponto de vista, esta visão da noção de memória colectiva encontra-se intimamente ligada ao conceito (já exposto anteriormente) de mito; uma vez que a ideia de um começo desamparado de estruturas prévias possui um carácter deveras mitológico, ou até bíblico – ou seja, potencial e cientificamente impossível.
Na realidade, e tal como o mito, a memória social existe porque, convencionalmente, é aceite pela maioria da população de uma comunidade/sociedade quando evocada e, como tal, existe porque se constrói colectivamente baseando-se em experiências individuais e colectivas de tal dimensão que a informam nos campos da regra e do hábito. Assim sendo, construídas, aceites e jamais totalmente novas – transformação de algo pré existente em algo novo e original –, as memórias colectivas surgem, segundo este autor, sempre por reacção a algo que já existe – nomeadamente por reacção negativa, de ruptura, de rompimento.
Como já dito acima, convencionalmente a memória colectiva de uma comunidade informa a sua identidade (do grupo) ao nível da regra e do hábito, e será através deles também que ela se legitimará, bem como se evidenciará aos olhos dos que a ela não pertençam.
E é exactamente neste ponto que Paul Connerton justifica a sua presença neste corpo de texto – o autor atribui aos factores performáticos do hábito, e da regra, a importância devida; uma vez que serão eles os que permitiram a experiência directa de uma memória colectiva por parte de outrem: através da sua visualidade.
Deste modo, o autor reinventa – para o campo da antropologia e da sociologia – os conceitos de corpo, cerimónia e performance. E fá-lo porque acredita que é neles que reside a memória colectiva, é neles que reside a sua expressão: nos hábitos sociais do corpo (apresentação, postura, movimentos, etc.), nas cerimónias de carácter ritual e na performance desses mesmos rituais – a manutenção de uma memória colectiva faz-se pela repetição das práticas que lhe estão subjacentes, até que estas sejam esquecidas como regras e praticadas como hábitos.
É neste universo que Paul Connerton se move, e é nele que baseia a sua conceptualização de memória colectiva como um sistema: um sistema de expectativas.
E porque o faz? Porque, uma vez que se baseia no que de visual existe na expressão de uma memória colectiva – e como tal de uma identidade –, seria de esperar que Paul Connerton explorasse também as noções de hierarquia e poder, que à de memória colectiva estão associadas.
As memórias individuais, e colectivas, que compõem a memória de uma comunidade encontram-se organizadas por graus de importância (sendo que este varia consoante o contexto geográfico, social, politico, económico, artístico, religioso, etc.). Por outro lado, para um indivíduo – ou pequeno grupo – conhecer aprofundadamente as memórias que compõem a memória colectiva da comunidade a que pertence e de que forma esta informa as práticas sociais, é ter poder sobre essas mesmas práticas: o poder de as contornar e de as manipular. Porém, durante grandes períodos de tempo na história, os contornos e manipulações feitos a regras sociais nunca chegaram para subverter essas mesmas regras. É neste ponto que reside a teorização de Connerton, e que a nós muito nos interessa: a memória colectiva, e respectiva de identidade de uma mesma comunidade, é componente de um sistema de expectativas – sistema que surge e se rege, tal qual a construção de uma estrutura identitária, por oposições.
Assim, e para finalizar, podemos afirmar que o conceito de memória colectiva se define como a informação, de carácter ancestral, que dita os modos de actuação de um individuo em grupo – ou de grupos dentro de uma comunidade –, mas que ao mesmo tempo informa, por oposição às regras e hábitos de outras comunidades, o que esperar de um elemento (ou grupo) da primeira.

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