Thursday, May 29, 2008

...das identidades (take #26) Gravador nº3: Identidade (2ª parte)

Em 1989 Ruy Duarte de Carvalho definiu o processo de construção identitária como uma gestão de diferenças. Partindo de uma base interaccionista, o autor define-o a identidade de um grupo social por oposição a outros; ou seja, uma comunidade adquire a sua identidade menos por aquilo que é e mais por aquilo que não é. A identidade residiria não nas semelhanças entre uma comunidade, mas sim nas diferenças. Tal facto promove, não só a manutenção acérrima desta diferença, como também a construção de novas – ou renovadas – diferenças. Esta identidade definida por Duarte de Carvalho, é um conjunto de factores sociais, económicos, políticos, históricos, ideológicos, etc. reconhecido, não só pelos indivíduos constituintes de uma comunidade, mas também pelos indivíduos constituintes das comunidades que se opõem à primeira.
Por outro lado, e numa vertente mais individualista, o autor refere-se também ao contexto de produção de semelhanças essenciais para a pertença a determinada comunidade: esse contexto seria o familiar e doméstico, local de up bringing do indivíduo, e onde este se veria a braços com as primeiras questões identitárias – as primeiras diferenças – e onde as resolveria por mímica, por imitação de outros indivíduos já possuidores de uma estrutura identitária bem fundada e construída.
Estes seriam os factores determinantes para a criação do conceito de criatividade diferencial identitária, por Ruy Duarte de Carvalho.

No mesmo ano, Paul Connerton define o processo de criação de uma identidade como um acto de memoriação. O autor constrói uma equivalência entre as estruturas identitárias e as estruturas da memória de um indivíduo: ambas possuem uma cronologia, decorrer, bem como possuem ambas características de narrativa e de performatividade. Assim, a construção identitária de um indivíduo seria feita processualmente, com base na memória do que já foi para trás e no desejo do que se quer ser para a frente; bem como estaria em constante actualização performática – não se interpretando pelo acto, mas produzindo-se no acto.

Emília Margarida Marques, antropóloga portuguesa que se debruçou sobre as questões identitárias associadas aos espaços criativos e culturais no contexto geográfico da Marinha Grande, definiu em 1995 o conceito de identidade como um processo de negociação e resistência. Este conceito aplicar-se-ia sobretudo a comunidades, mais do que ao indivíduo em si – onde estas noções poderão ser visíveis, mas não possuem o mesmo impacto. Também estas noções, tal como em Paul Connerton, remetem para aspectos da performatividade e da memória, respectivamente. Assim, Emília Margarida Marques define a identidade como um processo de negociação ao nível da acção dos indivíduos de uma comunidade, mas também como um processo de resistência das memórias da mesma, em relação às memórias de outras comunidades. Tal como antes, também esta definição do processo de construção identitária assenta numa narrativa, num discurso identitário que se quer novo, e diferencial. Assim, o que E. Marques faz na realidade é definir o conceito de identidade como um processo de constante concessão entre aquilo que se pode ser, e aquilo que se quer ser.

Um ano depois, em 1996, Simon Firth define o conceito de identidade a partir de questões já mais artísticas: performatividade/acto, narrativa/história, ética e estética. O autor define o processo identitário como a imaginação de um eu; ou seja, uma identidade assente, mais uma vez, numa narrativa e na performatização da mesma. Contudo, Firth introduz duas novas variáveis para a apreensão de uma estrutura identitária: ética e estética. Assim, em corpo de binómio, Simon Firth teoriza sobre o julgamento estético da realidade por parte de um indivíduo como algo que revelaria a sua ética.
Deste modo, Firth insere no esquema identitário uma variável de sobeja importância: a noção de experiência. Assim, e em última análise, o que o autor propõe é uma conceptualização das estruturas identitárias como a experiência da realidade, ou como a forma de lidar com essa mesma experiência. O autor deixa assim de lado as noções de construção identitária interaccionista directa – por fronteira física –, passando para campos mais alargados e não necessariamente vizinhos, para uma construção identitária interaccionista consciente, e por isso indirecta: uma identidade definida por fronteira cultural.

Por fim em 1999 – e como exemplo final – Eduardo Lourenço, na sua definição da identidade portuguesa, define o conceito de identidade como um processo imagético de manipulação temporal. Esta manipulação incidirá essencialmente nas duas porções de tempo que não são presentes: o passado e o futuro. Deste ponto de vista, seria possível afirmar que o autor define a identidade como algo de carácter mitológico. A atribuição de tais características adviria de um tipo de estrutura comum, tanto aos dois conceitos, como às conceptualizações anteriores: a estrutura narrativa. Como resultado primordial, este tipo de definição identitária apresentara uma tentativa de prolongamento da memória da existência do indivíduo através da sua partilha por um número de outros indivíduos pertencentes à mesma comunidade, ou de prolongamento da memória de uma cultura em relação a outras.
É neste contexto que o autor apresenta o conceito de saudade: um sentimento que reuniria em si, e em cada indivíduo, estas premissas. Com efeito, e finalmente, Eduardo Lourenço define o conceito de identidade como uma estratégia de sobrevivência.

[Imagem: 'Wasteband' de Patrícia Portela (2003)]

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