Wednesday, June 18, 2008

...das identidades (take #30) Gravador nº3: Identidade (6ª parte)

A identidade de uma comunidade é uma narrativa erigida com base no que a diferencia das demais.
A identidade de um indivíduo é uma narrativa erigida com base no que o diferencia dos demais.
A memória é uma narrativa erigida com base nos graus de importância de acontecimentos inscritos no tempo.
Em ambos os processos está presente esta noção de diferença que os baseia e os valida. Assim, temos uma identidade e uma memória, que apesar de não serem uma e a mesma coisa, são sincrónicas, equivalentes, e correlacionadas: baseiam-se em pressupostos de manipulação de tempo, realidade e espaço. Reordenam-nos. Redimensionam-nos. E com eles manipulados constrói-se uma história sobre a qual se vive.
A produção artística assenta nos mesmos princípios.
A produção artística poderá ser uma das mais eminentes formas de expressão de uma identidade: individual ou colectiva.
A identidade portuguesa baseia-se em todos estes pressupostos. Contudo, em funcionamento habitua-se à recordação mítica. Recordar é um hábito, mas todas as recordações são de sobeja importância e relevância para a construção dessa mesma identidade, e respectiva memória.
Devido ao carácter mitológico da memória e identidade colectivas portuguesas, as suas memórias fundadoras encontram-se a distâncias actualmente difíceis de sustentar, pelo que a identidade de um povo se começa a desvanecer no meio de outras.
Ainda assim, novas formas de distinção começam a surgir no seio deste desvanecimento: assim se forja noção de progresso doloroso, um avanço que mais nos arranca a uma identidade sob a qual fomos criados, mas que inevitavelmente tem de se dar – uma espécie de fardo que se carrega: todos os séculos que se interpõem entre hoje e o inicio desta historia, a portuguesa.

Não é possível definir a identidade portuguesa sem uma feroz oposição em relação a outras.
Actualmente, a maior oposição identitária com que nos deparamos é connosco. Actualmente, a identidade portuguesa começa a opor-se a si própria – a distância que nos separa do momento instaurador leva-nos a um questionamento desenfreado do mesmo, e a uma raiva que nos começa a ser característica.
A identidade portuguesa começa a opor-se a si própria, e a sua arte começa a reflectir tal facto: o seu fim já não é parar o tempo de determinada maneira, ou em determinado ponto; é pará-lo de qualquer maneira, em qualquer ponto, porque a partir de qualquer ponto será possível combater o esquecimento. E o maior esquecimento contra o qual lutamos é o nosso – contra esquecermos quem somos, contra esquecermos o que é ser português.

[Imagem: 'Acções s/ Título' de Ramiro Guerreiro (2005), Prémio EDP Novos Artistas]

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